quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Leitura #15: Os Voluntários Pernambucanos - Tobias Barreto

Já fomos a gente ousada
Que um mundo virgem produz;
Já vio a Europa assustada
Settas e caboclos nus
Pularem grandes, valentes,
Vermelhos, resplandecentes,
Do abysmo dos occidentes,
Lavados em sangue e luz! ...

Hoje a idéa em nossa terra
Fulmina a espada voraz:
Que somos? Lavas de guerra,
Petrificadas em paz;
E pois não venham ignavos
Na lingua dos ferros bravos
Deixar os amargos travos
Desse horror que o sangue faz.

O Brazil, de coma intonsa,
Dorme e deixa-se afagar;
Macio qual pello d'onça,
Não no queiram insultar:
Os que repousam nas campas,
Sentem que o vento dos pampas
Lhes açoita as aureas lampas,
E os faz com raiva acordar! ...

Para estes vultos brilhantes
Morrer... é não combater;
É apear-se uns instantes,
Do valle ao fundo descer,
Fitar a noite estrellada,
E á espera d'outra alvorada,
Dormir nos copos da espada,
Deixando o sangue escorrer!

Que athletas ! que espectros grandes
Lá por onde o sol tombou,
No topo altivo dos Andes
Um cavalleiro estacou...
Susurram vôos angélicos,
Lambem-se os gládios famélicos,
Dir-se-hiam relinchos bellicos
Que o bronzeo corsel soltou! ...

Muita coragem, que dorme,
Desperta da guerra ao som:
Fumega o banquete enorme
De ferro e fogo! Está bom!...
Tudo ri, palpita, avança...
Que o rei também tome a lança,
Si tem brios um Bragança,
Si tem valor um Bourbon!

O povo sacode o somno
Da cabeça que descai:
Senhor! d'altura do throno
Vêde a mão de vosso pai,
Limpando todas as frontes,
Passando em montes e montes
Por cima dos horizontes
A cata do Paraguay! ...

E temos peitos vetustos,
Que batem sempre leaes;
Âmagos d'homens robustos,
Que ainda guardam mortaes,
Antigas, ferventes ascas
Do tronco saltam as lascas:
Mazeppas, Árabes, Guascas,
Vede lá: quem corre mais? ...

No coração desta gente
O bravo suffoca o ai.
Que ferros! o cedro ingente
De um golpe derreia e cai;
Ceda a republica insana;
Si emfim não se desengana,
Espada pernambucana,
Desembainha-te e vai!

Vai tu, que não geras fracos,
Cidade que abres-te aos soes...
Cornelia mãi de cem Graccos,
Viuva de oitenta heroes!
Quem ha que o collo te dobre?
Terrível, sincera, nobre,
Limpaste as faces de cobre
Das batalhas nos crysoes!

Não falia, não ri, não medra
Comtigo estranha altivez;
Tu tens nas unhas de pedra
Cabello e trapo hollandez
Teu sopro que accende a gloria,
Suspende a poeira da historia
Em turbilhões de victoria;
Venceste por uma vez!

Levantas o braço forte
E o raio matas na mão!
Como um aceno de morte,
Os Guararapes lá estão! ...
Volúpias de fogo exhalas,
As petreas juntas estralas,
E pões-te a salvo das balas
Por detrás de Camarão.

Guerreiro a morrer aífeito
Defende o Brazil, que é seu;
A hora soa no peito,
A cicatriz é troplieu.
Da patria as manhãs coradas,
As tardes acabocladas,
Flores, mulheres amadas,
São estrophes de Tyrteu...

(1865) - Tobias Barreto

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(Anderson Kaspechacki)

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