Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver,
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.
Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva,
Que agora está no jardim;
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!
Nem viu que as auras gemeram,
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa,
Que docemente colheu.
E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada,
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas,
Parece que diz: nós duas! ...
E a brisa emenda: nós três! ...
Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também
Treme a virgem de surpresa,
Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão;
Nas asas d’ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.
Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor:
Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.
A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar;
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver; inconhos jambos
De algum celeste pomar! ...
Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu! ...
Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor:
Seu rosto fica mais lindo,
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor.
(1857) - Tobias Barreto
*
*
(Anderson Kaspechacki)
▼
sábado, 29 de fevereiro de 2020
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020
Leitura #15: Os Voluntários Pernambucanos - Tobias Barreto
Já fomos a gente ousada
Que um mundo virgem produz;
Já vio a Europa assustada
Settas e caboclos nus
Pularem grandes, valentes,
Vermelhos, resplandecentes,
Do abysmo dos occidentes,
Lavados em sangue e luz! ...
Hoje a idéa em nossa terra
Fulmina a espada voraz:
Que somos? Lavas de guerra,
Petrificadas em paz;
E pois não venham ignavos
Na lingua dos ferros bravos
Deixar os amargos travos
Desse horror que o sangue faz.
O Brazil, de coma intonsa,
Dorme e deixa-se afagar;
Macio qual pello d'onça,
Não no queiram insultar:
Os que repousam nas campas,
Sentem que o vento dos pampas
Lhes açoita as aureas lampas,
E os faz com raiva acordar! ...
Para estes vultos brilhantes
Morrer... é não combater;
É apear-se uns instantes,
Do valle ao fundo descer,
Fitar a noite estrellada,
E á espera d'outra alvorada,
Dormir nos copos da espada,
Deixando o sangue escorrer!
Que athletas ! que espectros grandes
Lá por onde o sol tombou,
No topo altivo dos Andes
Um cavalleiro estacou...
Susurram vôos angélicos,
Lambem-se os gládios famélicos,
Dir-se-hiam relinchos bellicos
Que o bronzeo corsel soltou! ...
Muita coragem, que dorme,
Desperta da guerra ao som:
Fumega o banquete enorme
De ferro e fogo! Está bom!...
Tudo ri, palpita, avança...
Que o rei também tome a lança,
Si tem brios um Bragança,
Si tem valor um Bourbon!
O povo sacode o somno
Da cabeça que descai:
Senhor! d'altura do throno
Vêde a mão de vosso pai,
Limpando todas as frontes,
Passando em montes e montes
Por cima dos horizontes
A cata do Paraguay! ...
E temos peitos vetustos,
Que batem sempre leaes;
Âmagos d'homens robustos,
Que ainda guardam mortaes,
Antigas, ferventes ascas
Do tronco saltam as lascas:
Mazeppas, Árabes, Guascas,
Vede lá: quem corre mais? ...
No coração desta gente
O bravo suffoca o ai.
Que ferros! o cedro ingente
De um golpe derreia e cai;
Ceda a republica insana;
Si emfim não se desengana,
Espada pernambucana,
Desembainha-te e vai!
Vai tu, que não geras fracos,
Cidade que abres-te aos soes...
Cornelia mãi de cem Graccos,
Viuva de oitenta heroes!
Quem ha que o collo te dobre?
Terrível, sincera, nobre,
Limpaste as faces de cobre
Das batalhas nos crysoes!
Não falia, não ri, não medra
Comtigo estranha altivez;
Tu tens nas unhas de pedra
Cabello e trapo hollandez
Teu sopro que accende a gloria,
Suspende a poeira da historia
Em turbilhões de victoria;
Venceste por uma vez!
Levantas o braço forte
E o raio matas na mão!
Como um aceno de morte,
Os Guararapes lá estão! ...
Volúpias de fogo exhalas,
As petreas juntas estralas,
E pões-te a salvo das balas
Por detrás de Camarão.
Guerreiro a morrer aífeito
Defende o Brazil, que é seu;
A hora soa no peito,
A cicatriz é troplieu.
Da patria as manhãs coradas,
As tardes acabocladas,
Flores, mulheres amadas,
São estrophes de Tyrteu...
(1865) - Tobias Barreto
*
*
(Anderson Kaspechacki)
Que um mundo virgem produz;
Já vio a Europa assustada
Settas e caboclos nus
Pularem grandes, valentes,
Vermelhos, resplandecentes,
Do abysmo dos occidentes,
Lavados em sangue e luz! ...
Hoje a idéa em nossa terra
Fulmina a espada voraz:
Que somos? Lavas de guerra,
Petrificadas em paz;
E pois não venham ignavos
Na lingua dos ferros bravos
Deixar os amargos travos
Desse horror que o sangue faz.
O Brazil, de coma intonsa,
Dorme e deixa-se afagar;
Macio qual pello d'onça,
Não no queiram insultar:
Os que repousam nas campas,
Sentem que o vento dos pampas
Lhes açoita as aureas lampas,
E os faz com raiva acordar! ...
Para estes vultos brilhantes
Morrer... é não combater;
É apear-se uns instantes,
Do valle ao fundo descer,
Fitar a noite estrellada,
E á espera d'outra alvorada,
Dormir nos copos da espada,
Deixando o sangue escorrer!
Que athletas ! que espectros grandes
Lá por onde o sol tombou,
No topo altivo dos Andes
Um cavalleiro estacou...
Susurram vôos angélicos,
Lambem-se os gládios famélicos,
Dir-se-hiam relinchos bellicos
Que o bronzeo corsel soltou! ...
Muita coragem, que dorme,
Desperta da guerra ao som:
Fumega o banquete enorme
De ferro e fogo! Está bom!...
Tudo ri, palpita, avança...
Que o rei também tome a lança,
Si tem brios um Bragança,
Si tem valor um Bourbon!
O povo sacode o somno
Da cabeça que descai:
Senhor! d'altura do throno
Vêde a mão de vosso pai,
Limpando todas as frontes,
Passando em montes e montes
Por cima dos horizontes
A cata do Paraguay! ...
E temos peitos vetustos,
Que batem sempre leaes;
Âmagos d'homens robustos,
Que ainda guardam mortaes,
Antigas, ferventes ascas
Do tronco saltam as lascas:
Mazeppas, Árabes, Guascas,
Vede lá: quem corre mais? ...
No coração desta gente
O bravo suffoca o ai.
Que ferros! o cedro ingente
De um golpe derreia e cai;
Ceda a republica insana;
Si emfim não se desengana,
Espada pernambucana,
Desembainha-te e vai!
Vai tu, que não geras fracos,
Cidade que abres-te aos soes...
Cornelia mãi de cem Graccos,
Viuva de oitenta heroes!
Quem ha que o collo te dobre?
Terrível, sincera, nobre,
Limpaste as faces de cobre
Das batalhas nos crysoes!
Não falia, não ri, não medra
Comtigo estranha altivez;
Tu tens nas unhas de pedra
Cabello e trapo hollandez
Teu sopro que accende a gloria,
Suspende a poeira da historia
Em turbilhões de victoria;
Venceste por uma vez!
Levantas o braço forte
E o raio matas na mão!
Como um aceno de morte,
Os Guararapes lá estão! ...
Volúpias de fogo exhalas,
As petreas juntas estralas,
E pões-te a salvo das balas
Por detrás de Camarão.
Guerreiro a morrer aífeito
Defende o Brazil, que é seu;
A hora soa no peito,
A cicatriz é troplieu.
Da patria as manhãs coradas,
As tardes acabocladas,
Flores, mulheres amadas,
São estrophes de Tyrteu...
(1865) - Tobias Barreto
*
*
(Anderson Kaspechacki)
Leitura #14: A (im)possibilidade de mudar
Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
- Bertolt Brecht
*
*
(Anderson Kaspechacki)
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
- Bertolt Brecht
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(Anderson Kaspechacki)