segunda-feira, 24 de junho de 2019

Leitura #12: O homem que plantava árvores

Numa palestra na qual participei como ouvinte, este vídeo foi apresentado sem que comentários fossem feitos acerca de sua história.

Baseado no belíssimo conto do francês Jean Giono, de 1953, a animação conta a estória de Elzeard Bouffier, um pastor de ovelhas que durante anos cultivou uma floresta esplendorosa numa área desértica da França. Com as suas próprias mãos e uma generosidade sem limites, desconsiderando o tamanho dos obstáculos, ele faz, do nada, surgir uma floresta inteira – com um ecossistema rico e sustentável. Uma história inesquecível sobre o poder que o ser humano tem de influenciar o mundo à sua volta.
 
Ainda a tempo, posso dizer que foi um trabalho digno de um Deus ou um Deus investido por meio de um homem. A falta da fala do principal personagem demonstra, no mais alto grau, a realização por meio da ação. Literalmente “falar menos, fazer mais”. 

Digo que a perseverança é a palavra de ordem.





*
*
(Anderson Kaspechacki)

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Leitura #11: Libertas inaestimabilis


Libertas inaestimabilis 
(A liberdade não tem preço) Corpus iruis civilis



El camino iniciático es un proceso virtuoso que nos permite liberarnos, gradualmente, del lastre que nos mantiene unidos a la materia o como dirían los alquimistas «pegoteados al negro alquitrán».

Platón, en su alegoría de la caverna, nos describió con lujo de detalles este proceso de despertar y de desplazamiento paulatino de las tinieblas a la luz, donde el prisionero debe escapar de su cautiverio (la esclavitud de los sentidos, la ignorancia) para finalmente encontrar con dificultad la salida hacia la luz (la libertad, el conocimiento puro).

En este emblema, el Alma (representada siempre con alas) decide abandonar la comodidad de la jaula y el alimento seguro para lanzarse a lo desconocido. Las nubes negras que se avizoran en el cielo evidencian las dificultades que se presentarán tarde o temprano. No obstante, entre la esclavitud y la libertad, el Alma ya eligió.




(Anderson Kaspechacki)

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Fichamento #5: A Genealogia da Moral - NIETZSCHE, Friedrich.

FICHAMENTO DA OBRA:

NIETZSCHE, Friedrich. Paulo César de Souza (Tradutor). A Genealogia da Moral, 1° ed., São Paulo: Cia. de bolso, 2009.

Destaque importante: urge salientar que o objetivo desta publicação busca reunir a opinião do autor e debruçar sobre sua obra. O intuito é sintetizá-la.

Na obra A Genealogia da moral, Nietzsche desenvolve uma crítica intensa dos valores morais que vêm desde Sócrates e outros impostos, posteriormente, por ideologias judaicos-cristãs. No prefácio da obra, o filósofo questiona-se: “qual é definitivamente a origem das nossas idéias do bem e do mal? Atribui-se ao bem um valor superior ao valor do mal, ao valor do progresso, da utilidade, do desenvolvimento humano. E por quê? Não poderia ser verdade o contrário?” Neste tom de crítica, Nietzsche discorre sua obra. Este escrito visa ressaltar alguns traços importantes desta relevante obra. Não será trabalhado aqui nenhum motivo transcendente, nenhum Deus que veio a revelar ao homem princípios para controlar o modo agir, mas sim investigará como surgiu entre os povos o juízo bom e mau. O livro se divide em três ensaios, sendo que o primeiro analisa os conceitos “bom e mau” e “bom e ruim”, o segundo estuda os conceitos de culpa e de má consciência e o terceiro, aspectos do ideal ascético.

A primeira parte, intitulada “Bem e mal – Bom e mau” consiste na psicologia do cristianismo. Nietzsche discute a origem dos sentimentos morais, a partir do antagonismo metafísico entre duas classes: a dos senhores e a dos escravos, na tentativa de explicação das condições de criação desses juízos e nas conseqüências para o desenvolvimento da sociedade. Tendo a classe senhorial, duas classes rivais: a guerreira e a sacerdotal; a primeira, dominante, cultua a virtude do corpo, enquanto a outra inventa o espírito. Desta rivalidade surgem as duas morais: a moral dos senhores (os fortes, os nobres, os sadios utilizam o termo “bom” tendo como antônimo o termo “ruim”. Por exemplo, numa luta o ruim é o adversário que não luta bem, porém isso não significa que ele é mal. Esta é uma avaliação técnica. Assim, é afirmado e elaborado o conceito bom a partir de si mesmo - eu sou bom, eu sou belo, eu sou forte -; em oposição cria o conceito ruim para tudo aquilo que é baixo, vulgar, plebeu) e a moral dos escravos (os fracos, os doentes, os escravos usam o termo “bom” tendo como antônimo o termo “mal”. Estes não julgam a técnica de luta, mas a crueldade. Dizem: nós somos bons e nossos adversários são maus, cruéis. Desta forma, surge uma avaliação moral. Esta é uma moral que nasce do ressentimento e é sempre uma reação ao que lhe vem de fora; sendo assim, seu conceito original é mal, para designar todo não-eu e com uma lógica surpreendente infere: ele é mal, logo eu sou bom). Quando os fortes deixam de fazer a avaliação técnica e começam a fazer a avaliação moral, acabam percebendo que são os maus e, desta forma, ficam arrependidos, tendo como conseqüência a má consciência. Assim, os fortes já não são mais fortes. Deixam de ser lobo para ser ovelha (animal de rebanho). Em suma, existe uma dupla origem para nossos juízos de valor, resultante de duas formas distintas de avaliar a vida: segundo a moral dos senhores ou segundo a moral dos escravos. Durante longo tempo essa dupla forma de avaliar conviveu na história até a revolta dos escravos na moral, que começa com o povo judeu e segue adiante com o cristianismo, que irá consolidar a vitória da moral dos escravos como a única moral. Nietzsche analisa o surgimento de uma inversão de valores – transvaloração dos valores. Assim, o bom passa a ser o pobre; o miserável, em contrapartida, o ruim, o mau, o impuro são aqueles materialmente ricos. Isso Nietzsche identifica como um “ato da mais espiritual vingança”. Nas palavras de Nietzsche, “os judeus vingaram-se dos seus dominadores por uma radical mudança dos valores morais. Com uma lógica formidável, atiraram por terra a aristocrática equação dos valores ‘bom, nobre, poderoso, formosa, feliz, amado por Deus’. E, com o encarniçamento do ódio afirmaram: bons são apenas os miseráveis, os pobres, os impotentes, os humildes, [...] os que sofrem, os necessitados, os enfermos, os disformes”. Nietzsche vê a história do ocidente à luz de uma enorme simplificação. O Renascimento parece-lhe um breve despertar dos juízos de valor da Antiguidade, que, no entanto, salienta o filósofo “graças a esse movimento de ódio – alemão e inglês – fundamentalmente plebeu, que se chama a Reforma da qual havia de sair, por natural reação, a restauração da Igreja e o restabelecimento de um silêncio sepulcral sobre a Roma clássica”. Para Nietzsche, a moral dos escravos obteve na Europa uma vitória ainda mais decisiva com a Revolução Francesa, com o triunfo da mediocridade, com o nascimento das idéias modernas. É somente em Napoleão que revive ainda uma vez mais, em pleno auge da revolta plebéia, durante um breve instante histórico, o grande homem nobre, “síntese de inumano e de sobre-humano”. O filósofo destaca que quando os oprimidos, os servos, cheios de vingança e de impotência se põe a dizer: ‘sejamos o contrário dos maus, sejamos bons. O bom é o que não injúria a ninguém, nem ofende, nem ataca, nem usa de represálias, senão que deixa a Deus o cuidado da vingança [...] e espera pouco da vida como os humildes e os justos. Tudo isto quer dizer em suma: ‘nós, os fracos não podemos sair de fracos, não façamos, pois, nada que não possamos fazer’. Esta amarga prudência, que até o inseto possui (o qual, em caso de grande perigo, se finge de morto) tomou o pomposo título de virtude, como se a fraqueza do fraco fosse um ato livre, voluntário, meritório.


A segunda parte, chamada de “A falta, a má consciência e o que se nos afigura” encerra uma psicologia da consciência moral. Na visão de Nietzsche, a antiga e remota história do homem nos ensina que observar alguém sofrer, ser castigado era uma alegria, pois a crueldade fazia e faz parte da natureza humana, sendo um instinto fundamental. Neste tempo em que a humanidade não se envergonhava ainda de sua crueldade, observa o filósofo, a vida sobre a terra era mais serena e feliz do que nesta época de pessimismo. Um doentio moralismo ensinou o homem a envergonhar-se de todos os seus instintos. A interioridade é o resultado de uma perversão dos instintos. Todos os instintos que não se chegam a exteriorizar interiorizam-se. Todo o mundo interior, primitivamente embrionário, se desenvolveu, adquiriu profundidade, largura e altura, quando a expansão do indivíduo para o exterior foi entravada. Por conseguinte, a tese nietzscheana sobre a origem da consciência moral é do seguinte teor: a consciência não é mais do que um instinto de crueldade impedido de se exteriorizar e que, por isso, se interioriza. Deste modo, a origem da má consciência é colocada como instintos reprimidos que não podem se exteriorizar e, então, se voltam para dentro, contra o homem mesmo que possui esses instintos. Aquele pequeno mundo interior vai se desenvolvendo a medida que a exteriorização do homem acha obstáculos. Parafraseando o autor, “as barreiras que a organização social construía para se desenvolver contra os antigos instintos de liberdade, e, em primeiro lugar, a barreira do castigo, conseguiram que todos os instintos dos homens selvagens se voltassem contra o homem interior. A ira, a crueldade, a necessidade de perseguir, tudo isso se dirigia contra o possuidor de tais instintos; eis a origem da má consciência”. Então, veio ao mundo a maior e mais perigosa de todas as doenças: o homem doente de si mesmo que declarou guerra contra os antigos instintos. O homem é sempre um animal feroz, quer para o exterior, quer no seu íntimo.


Nesta terceira parte, denominada “Qual é o fim de todo o ideal ascético?”, que trata da psicologia do sacerdote, o filósofo interpreta a relação de várias figuras humanas, tais como: dos filósofos, dos sacerdotes e dos doutores da ciência, com os ideais ascéticos, procurando apontar o que significam estes ideais. Pode-se dizer que procura por uma contrapartida aos ideais ascéticos (contrapartida que ele não desenvolve na obra A Genealogia da Moral). Nietzsche salienta que os ideais ascéticos não significam a busca do vazio e do nada. Ao contrário, correspondem a uma característica fundamental da vontade humana: seu horror ao vazio, e a necessidade de um objetivo. Há várias formas de ideais ascéticos. Para os filósofos, o ideal ascético é apenas uma forma de autodisciplina, da economia de suas forças. Por isso, para a filosofia, os ideais ascéticos não são um envenenamento da fonte da vida. Diferente e de caráter problemático, é o ideal ascético do sacerdote, em que esse ideal nasce do instinto profilático e de defesa de uma vida que degenera. O domínio e o adoecimento do animal homem garante o seu poder. Segundo Nietzsche, “o sacerdote ascético deve ser o salvador predestinado, o pastor e o defensor do rebanho doente; tal é a sua prodigiosa missão histórica. A dominação sobre os doentes: eis o seu papel, a sua arte, a sua maestria, a sua felicidade. Tem que defender o seu rebanho, contra quem? Contra aos sãos, seguramente, mas também contra a inveja que inspiram os sãos”. O sacerdote é a este respeito o falso médico e salvador que mantém no seu sofrimento a vida que sofre, a vida miserável e medíocre. Ele cura a ferida de uma tal vida sofredora e envenena-a ao mesmo tempo, pelo que a ferida precisa constantemente de ser tratada. Para Nietzsche, o sacerdote é o homem que muda a direção do ressentimento. Ele persuade o doente de que está enfermo por sua culpa, consola-o e esforça-se por lhe fazer aceitar o ideal ascético. “Os fortes, segundo o autor, aspiram a separar-se e os fracos a unir-se. Assim, todos os doentes aspiram instintivamente a organizar-se em rebanhos, o sacerdote ascético adivinha este instinto e alenta-os onde quer que haja rebanhos, o instinto de fraqueza forma-os, a habilidade dos sacerdotes organiza-os”. O sacerdote faz o seu rebanho entender que a dor é um castigo. Assim, houve uma nova doença no mundo: o pecado. Quanto ao poder do ideal ascético sobre nós a resposta é que esse poder não tem antagonistas. É a única explicação, a única fonte de sentido para o homem até hoje. E esse sentido é dado como se a vida fosse um erro o qual devemos evitar. Toda a idealidade dos ideais da história, diz Nietzsche, era ascética. Quando o homem se eleva acima da mera sujeição animal aos seus instintos, quando ele é vontade, ele opõe a sua vontade ao instinto, ele “quer” contrariando o instinto. Contudo, o homem deverá exercer o seu arbítrio. Ele não pode limitar-se a vegetar; precisa cultivar ideais acima de si próprio; mas, até esse momento todos os ideais eram invenções dos sacerdotes (ideais contrários à natureza). Deste modo, Nietzsche estabelece uma relação íntima entre a vontade e o ideal ascético. Em certa medida existe ascetismo em cada vontade. Qual era o objetivo da vontade ao entregar-se aos ideais ascéticos? Nietzsche responde: o nada. A vontade era uma vontade de nada, uma tendência niilista da vida. A vontade na tensão do ascetismo quer o nada, quer o nada do Além, do ultramundano, dos ideais morais, ao mesmo tempo que nega o mundo terreno, a vida que vive. O filósofo diz que não havia até então na terra outro ideal senão o ideal contrário à Natureza, o ideal ascético; não havia ainda um ideal que fosse conforme a Natureza. O ideal ascético trata a vida como uma ponte para outra vida. Por ser o único sentido até hoje, e o homem ser um animal carente de sentido, o homem preferirá querer o nada a nada querer. O ideal ascético, contudo, tem importância positiva, pois ele cria o abismo e o precipício sobre os quais a vontade procura lançar uma ponte. O homem torna-se, assim, ponte entre ele próprio e o super-homem. Importa repensar a idealidade a partir da estrutura da vida que se supera a si própria, a partir da marcha gradual da vontade de domínio. O ideal ascético fora, até então, o único ideal; porém, a partir da Zaratustra existe um contra-ideal. Nietzsche nutre uma inimizade absoluta, encarniçada e ardente contra tudo quanto antes encerrava um “valor”. Ao repensar a natureza de valor, acaba abençoando o que até então era maldito e amaldiçoa o que até então era abençoado.


Em última análise, A genealogia da moral é o estudo da origem e da história dos valores morais. Nietzsche identifica a inversão de valores que levou ao surgimento da má consciência interiorizada pelo homem (ressentido) que não pode exercer suas vontades. Foi o ressentimento que destruiu valores vitais e promoveu a moral ascética dos fracos. A conclusão de Nietzsche foi de que não existem as noções absolutas de bem e de mal. Para ele as concepções morais surgem com os homens, a partir das necessidades dos homens. Ou seja, são produtos da história humana. Os homens são os verdadeiros criadores dos valores morais, sobretudo as religiões. Para o filósofo, grande parte das pessoas adota uma moral de rebanho. Para Nietzsche, todos os problemas da filosofia são problemas de valor.


Fonte: Link


*
*
(Anderson Kaspechacki)

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Leitura #10: A reflexão


O mito da caverna de Platão - A República.


O mito da caverna é uma das metáforas mais interessantes para expressar o que eu penso sobre as crenças que nos são impostas, desde muito cedo, sobre vida, trabalho, alimentação etc…

Escrito por Platão no livro “A República”, o mito da caverna conta a história de seres humanos que haviam nascido e crescido em uma caverna escura, onde permaneciam acorrentados, sem poder se mexer e sem poder ver uns aos outros.

A única coisa que conseguiam observar eram sombras projetadas no fundo da caverna. Essas sombras eram criadas (como vocês podem observar na figura) por uma fogueira que ficava separada dos prisioneiros, e por onde pessoas passavam carregando objetos que projetavam sombras.

Essas sombras de objetos se misturavam aos ecos e resíduos dos sons que vinham de fora da caverna e criavam a realidade daquelas pessoas. Aquele, por mais insano e doente que possa parecer, era o mundo daquelas pessoas.

Agora imagine que um desses prisioneiros conseguiu se libertar. Esse prisioneiro caminhou e viu os objetos que projetavam as sombras, viu o fogo e, de cara, sentiu seus olhos acostumados a escuridão arderem com a luminosidade, viu as pessoas que criavam sua falsa realidade, lhe dando apenas fragmentos do que era o mundo real… não satisfeito, esse prisioneiro foi mais longe, saiu da caverna e viu, pela primeira vez, o mundo real, sentiu o calor do sol, a brisa do vento e teve contato com uma realidade totalmente nova, com suas infinitas possibilidades.

O acesso a esse novo mundo pode ser fantástico e estimulante para uns, mas extremamente amedrontador para outros.

Imagine o que aconteceria se esse prisioneiro, transformado pelo acesso ao conhecimento, voltasse a caverna e tentasse levar seus companheiros, que nasceram e cresceram na realidade da caverna, para fora.

O homem transformado, que agora já havia se acostumado ao sol, iria ficar cego e perdido na escuridão da caverna. Seus antigos companheiros, ao ver isto, iriam concluir que sair da caverna é perigoso e danoso. Eles não acreditariam no homem, pensariam que ele estava louco e fariam de tudo para continuar no seu mundinho conhecido, na sua zona de conforto. Possivelmente, até matariam quem tentasse levá-los do mundo ao qual estão acostumados para um novo mundo.


"A humanidade - pelo menos em sua maioria - detesta refletir, mesmo em benefício próprio. Magoa-se, como se fora um insulto, ao mais humilde convite para sair por um momento das velhas e batidas veredas e, a seu critério, ingressar num novo caminho para seguir em alguma outra direção". – A doutrina secreta. — H. P. B

*
*
(Anderson Kaspechacki)

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Fichamento #4: Crítica da Razão Pura - KANT, Immanuel

FICHAMENTO DA OBRA:


KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, São Paulo: Nova Cultural, 1996.


Destaque importante: urge salientar que o objetivo desta publicação busca reunir a opinião do autor e debruçar sobre sua obra. O intuito é sintetizá-la.

Com o idealismo transcendental, Kant se diferencia dos outros sistemas idealistas da tradição. A sua ideia é que não conhecemos as coisas tal como elas são nelas mesmas. Portanto, o idealismo transcendental defende que não é possível conhecer a coisa-em-si. O projeto crítico kantiano tem como foco a delimitação do conhecimento a objetos conhecidos espaço-temporalmente. Desta forma, o Absoluto é incognoscível, já que o ser humano não tem o intelecto intuitivo, que supostamente permitiria o acesso imediato ao Absoluto. Kant recusa todo o saber dos objetos clássicos da metafísica, tais como ser, mundo, alma e Deus, pois para conhecer esses objetos é necessário estender-se para além do mundo fenomênico.

Em seu projeto crítico, Kant investiga a questão do conhecimento, ou seja, a possibilidade, o limite e o âmbito de aplicação do conhecimento, pois em sua época a filosofia se defrontava com a nova ciência da natureza, que ombreava os avanços bem anteriores realizados pela lógica e pela matemática. Já a metafísica não era capaz de oferecer soluções unanimemente aceitas, e tinha sua pretensão a ser ciência questionada. Por isso, Kant investiga a possibilidade dela como ciência, pois “lhe parece intolerável que a Primeira Filosofia, chamada tradicionalmente de Metafísica, permaneça envolvida em uma disputa sem fim em torno das questões de Deus, da liberdade e da imortalidade” (HÖFFE, 2005, p. 11). Para que a filosofia mantenha seu lugar entre as ciências, essa controvérsia, acerca dos fundamentos metafísicos, deve ser superada. Para tal, a investigação kantiana procura pelo critério que permite delimitar o que pertence e o que não pertence à ciência para verificar se a metafísica se situa ou não no campo científico, e assim, o porquê da metafísica não apresentar o mesmo grau de certeza da lógica, da matemática e da física.

Ao invés de propor um novo sistema metafísico, que sem dúvida teria sorte idêntica à dos outros, Kant irá atacar o problema pela raiz, interrogando-se sobre as próprias possibilidades da razão. Intima-a para conhecer-se a si mesma por meio de um método reflexivo e para instituir um tribunal que se recuse a seguir todas as exigências que carecem de fundamento. Esse tribunal, onde juiz e ré são a razão, é a crítica da razão pura. Trata-se de um exame crítico da razão, isto é: de um exame que tem por fim de discernir ou distinguir o que a razão pode fazer e o que é incapaz de fazer. A preocupação crítica consiste essencialmente em não se dizer mais do que se sabe. E, se essa crítica diz respeito à razão pura, isso se deve à intenção de Kant de pronunciar-se apenas sobre o valor dos conhecimentos puramente racionais, como devem ser os da metafísica. Portanto, é preciso buscar na própria razão as regras e os limites de sua atividade, a fim de saber até que ponto podemos confiar na razão.

O fracasso da metafísica em suas pretensões científicas se deve ao fato dela ter empreendido sua tarefa dogmaticamente, ou seja, ter procedido sem uma crítica prévia das possibilidades e limites da razão para um projeto tão ambicioso. Ao investigar os fundamentos do conhecimento, Kant se contrapõe ao dogmatismo – mas não ao procedimento dogmático. “A crítica não se opõe ao procedimento dogmático da razão no seu conhecimento puro, enquanto ciência (pois esta é sempre dogmática, isto é, estritamente demonstrativa, baseando-se em princípios a priori seguros), mas sim ao dogmatismo, quer dizer, à presunção de seguir por diante apenas com um conhecimento puro por conceitos (conhecimento filosófico), apoiado em princípios, como os quais que a razão desde há muito aplica, sem se informar, como e com que direito os alcançou. O dogmatismo é, pois, o procedimento dogmático da razão sem uma crítica prévia da sua própria capacidade” (KrV, B, p. 30).

É dentro dessa perspectiva que se deve entender o conceito de transcendental: todo o conhecimento que, em geral, se ocupa não tanto com os objetos, mas com o modo de conhecê-los, na medida em que esse conhecimento deva ser possível a priori (Cf KrV, B, p.53). Toda a investigação kantiana é transcendental, no sentido de que a crítica tem, como objeto, nossa faculdade cognoscitiva. O conceito transcendental, para Kant, significa o modo de conhecer os objetos, enquanto possível a priori. Esses modos são a sensibilidade e o entendimento, a que inerem estruturas a priori próprias do sujeito e não do objeto. Sem elas, é impossível qualquer experiência de qualquer objeto. Antes de Kant, a metafísica clássica denominava de transcendental as condições do ser enquanto tal, ou seja, as condições sem as quais o próprio objeto deixava de existir. Após Kant e a sua revolução copernicana não é mais possível falar das condições do objeto em si, mas somente das condições do objeto em relação ao sujeito. Com Kant, o transcendental não está mais no objeto, mas no sujeito.

Analisando a faculdade de conhecer, o filósofo afirma que, “se, porém, todo o nosso conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência” (KrV, B, p. 36). Ele distingue dois conhecimentos: o a priori (conhecimento da razão que é puro, universal, necessário e independente da experiência) e o a posteriori (conhecimento da experiência que é empírico, particular e contingente). O que os distingue é a necessidade e a universalidade, específicos do conhecimento a priori. Feita esta distinção, impõe-se distinguir os juízos analíticos dos juízos sintéticos. Os analíticos são juízos de elucidação; a conexão sujeito-predicado é pensada por identidade; são universais, necessários e verdadeiros, mas não ampliam o conhecimento por serem tautológicos. Os sintéticos são os juízos de ampliação; a conexão sujeito-predicado é pensada sem identidade; são particulares, contingentes, porém ampliam o conhecimento.

Originalmente, Kant propõe uma nova classe de juízos: os sintéticos a priori. Estes são o verdadeiro núcleo da Teoria do Conhecimento: são universais, necessários, verdadeiros, ampliam e fazem prosperar o conhecimento. Conceitualmente, esses juízos são possíveis. A questão é saber se essa possibilidade conceitual pode realizar-se, isto é, se são possíveis os juízos sintéticos a priori e, portanto, a ampliação do conhecimento anterior a toda experiência.
Em torno dessa questão (de como são possíveis os juízos sintéticos a priori), Kant estrutura a Crítica da Razão Pura. Na Estética Transcendental procura responder como são possíveis os juízos sintéticos a priori na matemática e investiga os princípios apriorísticos da Sensibilidade (Espaço e Tempo). Na Analítica Transcendental procura responder como são possíveis os juízos sintéticos a priori na ciência da natureza e investiga os princípios apriorísticos do Entendimento (Categorias). E, na Dialética Transcendental, investiga se são possíveis os juízos sintéticos a priori na metafísica. Convém ratificar que, na metafísica, Kant indaga se são possíveis os juízos sintéticos a priori e não como são possíveis, pois esta ainda não havia se constituído como ciência, ao passo que a matemática e a física, sim.

A matemática e a física se constituíram ciência graças a uma inversão na maneira de pensar: ao invés da faculdade de conhecer ser regulada pelos objetos, estes são regulados por aquela. Isso se denomina revolução copernicana. Ela irá questionar essa visão metafísica existente. Portanto, “aquele que primeiro demonstrou o triângulo isósceles (fosse ele Tales ou como quer que se chamasse) teve uma iluminação; descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com certeza, uma coisa a priori nada devia atribuir-lhe senão o que fosse consequência necessária do que nela tinha posto, de acordo com o conceito” (KrV, B, p. 17).

Desse modo, a ciência moderna torna-se, para Kant, uma espécie de ponto de partida para a abordagem epistemológica, embora suas preocupações e interesses maiores sejam metafísicos. Isso porque ele percebe que, desde as bases postas para a ciência, por Copérnico, Galileu e Newton, na aurora da modernidade, o conhecimento científico alcançou um tal progresso e riqueza de resultados que se tornou um fato inegável. Por esse motivo, ele investiga o que caracteriza e o que fundamenta a ciência. Para Kant, a ciência é constituída por leis, por juízos sintéticos a priori, que, como foi visto, são universais e necessários e propiciam um avanço no conhecimento.

Kant discorda tanto dos empiristas como dos racionalistas acerca de sua concepção sobre ciência e conhecimento. Os racionalistas sustentam que a ciência é constituída por juízos analíticos a priori e os empiristas, por juízos sintéticos a posteriori. Kant conclui que eles não estão certos devido à errônea concepção do conhecimento que eles têm. A ciência, desta forma, é impossível, segundo Kant, pois o objeto fornece somente a novidade e o sujeito fornece somente a universalidade. O conhecimento não surge somente com o sujeito ou somente com o objeto, mas surge da junção dos dois, ou seja, o conhecimento é o resultado de um elemento a priori – sujeito -, e de um elemento a posteriori – objeto. Kant irá descobrir os juízos sintéticos a priori. Portanto, em sua filosofia especulativa, ele afirma que o conhecimento humano não é reprodução passiva de um objeto por parte do sujeito, mas construção ativa do objeto por parte do sujeito. Isso o leva a negar a possibilidade da metafísica como ciência.

Posto que o conhecimento constitui-se da correlação sujeito-objeto e o objeto não fornece os elementos essenciais para que se alcance o estágio científico, será necessário buscar o elemento a priori (universalidade e necessidade), indispensável para que haja lei e, portanto, ciência, no sujeito. “Se é o Sujeito quem determina as possibilidades, sujeitos diferentes, nas mesmas circunstâncias, deverão chegar aos mesmos resultados. Essa é a condição para que haja juízo sintético a priori - e Ciência” (WEBER, 1999, p.15). Desse modo, constata-se que o fundamento dos juízos sintéticos a priori é o próprio sujeito. Daí que se compreende a afirmação kantiana de que “só conhecemos a priori das coisas o que nós mesmos nelas pomos” (KrV, B, p. 21).

Para que um estudo se constitua como ciência é preciso que haja unanimidade entre os colaboradores e que, por um caminho, se chegue a conclusões verdadeiras, isto é, que se proceda conforme um plano, seguindo metas. Quando, constantemente, é preciso voltar ao ponto de partida e tomar outro caminho ou quando se torna igualmente impossível aos diversos colaboradores porem-se de acordo sobre a maneira como o objetivo comum deve ser perseguido, então pode-se estar sempre convicto de que um tal estudo acha-se, ainda, bem longe de ser tomado como caminho seguro de uma ciência, constituindo-se antes num simples tatear. E é nesse estágio que a metafísica – um conhecimento da razão inteiramente isolado e especulativo que através de simples conceitos se eleva completamente acima do ensinamento da experiência -, se encontra. “O destino não foi até hoje tão favorável, que permitisse trilhar o caminho seguro da ciência à metafísica” (KrV, B, p.18). A razão emperra continuamente na metafísica mesmo quando quer discernir a priori aquelas leis que a experiência mais comum a confirma.

Na metafísica é preciso retomar o caminho inúmeras vezes, porque se descobre que não leva aonde se quer, e quanto à unanimidade de seus colaboradores isso está longe de acontecer, pois não existe um consenso sobre o método. Por isso, não há dúvida de que o procedimento da metafísica foi “um tateio apenas entre simples conceitos” (KrV, B, p.19). Esse seu procedimento deve-se, talvez, ao fato dela não ter deixado vir à mente essa questão (de como são possíveis os juízos sintéticos a priori); ou, talvez, por nem ter feito a distinção entre juízos analíticos e sintéticos. Só que a resposta a essa questão é de capital importância, pois decide sobre a sua possibilidade como ciência. Desta forma, o objetivo de Kant, a exemplo dos geômetras e os investigadores da natureza, é tentar transformar o procedimento tradicional da metafísica no modo de encarar suas relações com os objetos, comparável à de Copérnico. Ele afirma que, até agora, se supôs que todo o nosso conhecimento tinha de ser regulado pelos objetos. Porém, “tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados” (KrV, B, p. 20). Esse a priori possibilita que emitamos juízos universais e necessários, exigência para que um conjunto de conhecimento se torne ciência. Porém, como será visto, não poderá ultrapassar os limites da experiência sensível, que é justamente a sua ocupação.

A filosofia deveria investigar a possível vigência de certos princípios a priori, que seriam responsáveis pela síntese dos dados empíricos, ou seja, ela deveria investigar a sensibilidade e o entendimento. A sensibilidade é a faculdade das intuições; por ela, os objetos nos são dados; é formada pelo espaço (forma do sentido externo que fornece, por meio dos cinco sentidos, as impressões acústicas, óticas, gustativas...) e pelo tempo (pertence ao sentido interno com suas representações, inclinações e sentimentos), que são as intuições puras, os princípios apriorísticos (Cf. HÖFFE, 2005, p.71). Eles são, como assevera Weber, “a condição de possibilidade de todo conhecimento humano” (WEBER, 1999, p.21). O entendimento é a faculdade dos conceitos; por ele os objetos são pensados; é formado pelas categorias (leis/regras) pelas quais as intuições são sintetizadas.

A sensibilidade dá a matéria do conhecimento e o entendimento dá a forma. Assim, conhecer é dar forma a uma matéria dada. É ligar representações em conceitos. O resultado disso é que nosso conhecimento só se refere a fenômenos, pois só conhecemos as coisas no espaço e no tempo. Todo objeto, para ser conhecido, deve estar condicionado ao espaço e ao tempo, isto é, precisa afetar a sensibilidade causando uma impressão sensível.

O entendimento age sobre a sensibilidade e sintetiza as múltiplas intuições sensíveis. Sensibilidade e entendimento são mutuamente independentes: “sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas” (KrV, B, p. 89). O conhecimento pode surgir da reunião dos dois. O entendimento e a sensibilidade, com suas formas a priori, são as condições de possibilidade dos juízos sintéticos a priori, específicos da ciência. E só podemos conhecer fenômenos (múltiplo) que adentram a sensibilidade em suas formas puras de espaço e tempo; sobre esse conteúdo fenomênico é que o entendimento aplica as suas categorias, obtendo a cada aplicação uma síntese.

O conhecimento, para Kant, é um todo unitário. Além da formas apriorísticas da sensibilidade e do entendimento, deve haver uma outra condição transcendental necessária, que é o eu transcendental – suprema condição unificadora de toda a nossa experiência. A apercepção transcendental é a consciência da identidade contínua do eu. No eu penso, o ser humano conhece a si mesmo somente como ele lhe aparece e jamais como ele realmente é. E, desta mesma forma, conhece todos os objetos – somente como fenômeno. Portanto, conhecemos somente os fenômenos - objetos exteriores no uso empírico - e não os númenos – objetos exteriores no sentido transcendental.

Kant irá distinguir os fenômenos (as coisas tais como aparecem ao sujeito) e os númenos ou coisa-em-si (as coisas tais como são nelas mesmas) afirmando que a coisa-em-si é inacessível à razão humana, ou seja, não se pode conhecer e nem dizer a coisa-em-si. Só conhecemos as coisas que nos aparecem, enquanto aplicamos nela as categorias a priori de nossa mente. Conforme Hartnack, não podemos entender nada, não podemos formar conceito ou pensamento senão através das categorias (Cf. HATTNACK, 1984, p. 100). É na Analítica Transcendental que o filósofo irá mostrar a distinção entre o fenômeno e o númeno, tão relevantes para a compreensão deste tema. O fenômeno é o objeto da intuição sensível. Ele tem uma matéria e uma forma. A matéria nos é dada pelas sensações singulares e pode existir apenas somente a posteriori. Já a forma vem do sujeito e é a priori. É impossível captar o objeto como ele é em si, mas somente como ele aparece para nós. O númeno é pensado pelo intelecto, não sendo objeto do sentido. O conceito númeno é problemático, pois ele pode ser pensado, mas não conhecido. Contudo, é um conceito necessário, a fim de que a intuição sensível não se estenda até as coisas em si, e seja assim limitada a validade objetiva do conhecimento sensível.

A razão, caracterizada como a busca do incondicionado, ou seja, que tende a ir além do âmbito fenomênico, não se contenta com as sínteses do entendimento, pois esse, de certo modo, é formado por uma multiplicidade de sínteses. Ela exige a síntese suprema, a máxima unidade que ponha termo à série das condições. As sínteses do entendimento são o objeto da razão. Esta age sobre o entendimento, o que resulta nas ideias transcendentais: Deus, liberdade e imortalidade – objetos da metafísica. Essas ideias estão fora do espaço e do tempo: não existe um objeto a elas correspondente no mundo sensível. Por isso, elas não afetam a sensibilidade e, portanto, não podem ser conhecidas. Contudo, podem – e a razão o exige -, ser pensadas.

A Analítica Transcendental apresenta as categorias e os princípios sem os quais não pode haver conhecimento. A Dialética Transcendental apresenta a ilusão da razão que pretende fazer um uso indevido desse conhecimento a priori. Por isso, a Dialética põe fim na metafísica tradicional. Hegel restitui a ideia de um ser supremo da posição que o projeto crítico lhe havia retirado. Kant afirma que nos é vedado o conhecimento do supra-sensível e essa é a tese do idealismo transcendental. O objeto de estudo no conflito da razão (paralogismos e antinomias) restringe-se à Dialética Transcendental. Aqui Kant irá mostrar que os argumentos que a razão utiliza para comprovar o valor objetivo, transcendente e numênico das ideias, quando dizem respeito à alma e a Deus são paralogismos e, portanto, errôneos; e quando dizem respeito aos argumentos que se referem ao mundo são antinomias e, portanto, são inconcludentes.

Na Analítica, Kant ensina que o conhecimento científico é fenomênico. A matemática e a física são ciências porque permanecem no horizonte do fenômeno, isto é, do condicionado. Quando o intelecto se lança para além dos fenômenos, ou seja, quando ele passa a tratar do númeno e não mais do fenômeno, ele é razão. Ao tratar da coisa-em-si, do incondicionado – entidade apenas pensável e não cognoscível -, o intelecto cai em ilusões estruturais. Os erros que a razão cai quando ela vai além da experiência não são voluntárias, mas involuntárias. A dialética funciona como crítica dessas ilusões. Os conceitos puros da razão são as ideias, assim como os conceitos puros do intelecto são as categorias. Diferentemente de Platão, que afirmava que as ideias eram transcendentes em relação à razão subjetiva, para Kant as ideias são os conceitos supremos da razão. Há três ideias correspondendo aos três tipos de silogismos: silogismo categórico corresponde à ideia psicológica – alma; silogismo hipotético corresponde à ideia cosmológica – mundo como unidade metafísica; silogismo disjuntivo corresponde à ideia teológica – Deus. O uso das ideias não é constitutivo, como o têm as categorias, mas o uso regulativo, não alargando o conhecimento dos fenômenos, mas o unificando.

Apesar de já ser denunciada, essa ilusão não desaparece, pois é uma ilusão natural. O pensamento humano, na questão do conhecimento, limita-se ao horizonte da experiência. Porém, a própria natureza do homem o faz ir além da experiência. Mas ao fazer isso, o espírito humano cai em erro. Por dialética, Kant entende o estudo crítico desses erros. A razão, sendo a faculdade que faz com que o homem busque os fundamentos últimos e supremos, é a faculdade da metafísica. A Dialética Transcendental estuda o funcionamento da razão para determinar a possibilidade da metafísica. A atividade da razão consiste em unificar, mediante o raciocínio, toda a experiência sob algumas ideias fundamentais. Para provar o valor objetivo, transcendente e numênico das ideias, a razão elaborou numerosos argumentos. Mas estes argumentos são todos errôneos e inconcludentes. São errôneos os argumentos que dizem respeito à alma e a Deus (paralogismos). São inconcludentes os argumentos que dizem respeito ao mundo (antinomias).

A primeira ideia é a da alma. A psicologia racional visa demonstrar a imortalidade da alma. Os erros transcendentais que a razão cai ao tentar construir tal ciência são denominados de paralogismos. O ser humano tem consciência de si como ser pensante, como fenômeno, mas não conhece o substrato numênico de si mesmo, ou seja, o seu substrato ontológico.

A segunda ideia é a do cosmo. A razão, ao querer passar de considerações fenomênicas do mundo para considerações numênicas, acaba caindo em certas antinomias, em que teses e antíteses acabam se anulando. Porém, tanto a tese como a antítese são defensáveis em nível de pura razão e nenhuma pode ser confirmada ou desmentida pela experiência. Os argumentos que a razão utiliza para determinar a origem do mundo e a sua natureza são inconcludentes. Existem bons argumentos tanto a favor como contra acerca da tese da origem do mundo no tempo.

Existem quatro antinomias que correspondem aos seguintes quatro modos: quantidade, qualidade, relação e medida. Nas antinomias, a tese é afirmativa e a antítese nega a tese. A tese da primeira antinomia diz: “o mundo tem um início e, além disso, no que se refere ao espaço, é fechado dentro de limites”. A sua antítese diz: “o mundo não tem início nem limites espaciais, mas tanto em relação ao tempo como em relação ao espaço, é infinito”. A tese da segunda antinomia diz: “toda substância composta que se encontra no mundo consta de partes simples, e não existe em nenhum lugar a não ser o simples, ou aquilo que dele é composto”. Sua antítese afirma: “nenhuma coisa composta que se encontra no mundo consta de partes simples; e nele não existe, em nenhum lugar, nada de simples”. A tese da terceira antinomia diz: “a causalidade segundo as leis da natureza não é a única da qual possam ter derivado todos os fenômenos do mundo; é necessário admitir, para a explicação deles, também uma causalidade livre”. Sua antítese diz: “não existe nenhuma liberdade, mas tudo no mundo acontece unicamente segundo leis da natureza”. A quarta e última tese antinômica diz: “no mundo existe algo que, ou como sua parte ou como sua causa é um ser absolutamente necessário”. Sua antítese diz: “em nenhum lugar, nem no mundo, nem fora do mundo, existe um ser absolutamente necessário, causa do próprio mundo”. Essas antinomias são insolúveis, pois quando a razão está além da experiência não há em que se ancorar e acaba oscilando da tese para a antítese e vive-versa. Esses argumentos são inconcludentes, porque partem do falso pressuposto de que se possa afirmar ou negar alguma coisa do mundo em si mesmo. Este é o pressuposto do qual partem os racionalistas e os empiristas. Os argumentos da tese são os dos racionalistas, que, julgando as formas a priori ideias inatas da coisa em si, se consideram capazes de responder a origem e a natureza do mundo. Os argumentos da antítese são dos empiristas, que por meio da experiência dizem que é impossível conhecer a origem e a natureza do mundo (Cf. REALE e ANTISERI, 2005, p.372).

A terceira ideia é a de Deus. Os argumentos que a razão utiliza para provar a existência de Deus são errôneos. Essa ideia foi tratada desde a Antiguidade e dessa discussão surgiram três caminhos que buscam explicar a existência de Deus. Ei-los: i) a prova ontológica, que parte do puro conceito de Deus como perfeição absoluta para daí deduzir a sua existência. Anselmo, Descartes e Leibniz formularam essa prova; ii) a prova cosmológica, que parte da experiência e infere Deus como causa, ou seja, da contingência do mundo demonstra-se a existência do ser necessário; iii) a terceira prova é a teleológica, que partindo da ordem e da harmonia do mundo afirma a existência de Deus como mente ordenadora (Cf. REALE e ANTISERI, 2005, p. 372).

As últimas duas provas, a cosmológica e a teleológica, supõem a primeira prova, a ontológica. Já que a prova ontológica não procede, as duas primeiras provas também não procedem. Também, a existência não é um predicado contido no conceito da essência de nenhum sujeito (nem do ser absoluto); ele deve ser acrescentado sinteticamente. Conforme Hegel, o ser perfeito não pode ser somente uma representação. O perfeito é o que não é simplesmente representado, mas também o que é efetivo. A crítica de Hegel à prova ontológica da existência de Deus, a qual permaneceria presa a filosofia do entendimento só pode ser esclarecida com o auxílio da Doutrina do Conceito, onde é mostrado a relação entre o conceito – que deixa de ter o aspecto formal e vazio da representação – e a Idéia Absoluta.

A filosofia do entendimento não consegue passar do condicionado para o incondicionado. A prova cosmológica também está repleta de erros transcendentais. Kant a nega afirmando que não é possível encontrar o princípio do contingente fora do mundo sensível e uma vez que se chega ao Ser necessário como condição do contingente, fica por provar a sua existência real, que não pode ser extraída analiticamente. A crítica hegeliana da visão de Kant acerca da prova cosmológica diz que Kant se apoiaria numa falsa exterioridade entre o finito e Deus e essas duas determinações formam, uma relativamente à outra, uma relação exterior, finita. Hegel salienta que se não se compreende a verdadeira relação entre o finito e o infinito se permanecerá naquilo que se chama de uma relação de exterioridade, que será desenvolvido pela filosofia do entendimento. Da mesma forma que a prova ontológica, a prova teleológica é desmascarada. Essa crítica de Hegel a Kant fica mais clara na prova teleológica. Hegel não concorda com esta prova, que diz que a harmonia do mundo natural só pode ser explicada pela existência de Deus. Tendo como ponto de partido o mundo natural não dá para extrair disso a existência de Deus. “A intenção hegeliana é mostrar que, da harmonia natural, pode-se chegar a uma atividade vital infinita e eterna (nas palavras de Platão, a um Zoon imortal), mas não a Deus, pois Deus é mais do que a harmonia imanente ao mundo natural” (BORGES, 1998, p. 114).

Kant conclui que as ideias da alma, do mundo e de Deus não tem valor constitutivo, pois são formas que não tem conteúdo. Essas ideias representam um ideal inatingível da razão especulativa. Essas ideias são coisas-em-si; portanto, são incognoscíveis. A metafísica como conhecimento da coisa-em-si é impossível; ela somente é possível como estudo das formas a priori da razão. Portanto, é impossível a metafísica como ciência. Prova disso vem com a dialética que mostra os erros que a razão cai ao tentar fazer metafísica. E as ideias (de alma, de mundo e de Deus), também são erros transcendentais? Kant responde essa pergunta afirmando que as ideias não são ilusões. As ideias não têm uso constitutivo como o têm as categorias, mas têm uso regulativo, unificando o conhecimento. Desta forma, o númeno é indiscutivelmente incognoscível, mas é possível a sua pensabilidade e a sua possibilidade. Portanto, já que através da ciência não é possível atingir o númeno, esse pode ser atingido por meio da ética. Com Kant, surge uma metafísica renovada.

Embora a metafísica efetue a revolução em sua maneira de pensar, ela não consegue ultrapassar os limites da experiência sensível. Seus objetos não são conhecidos, mas apenas pensados, pois se situam acima do espaço e do tempo. Desta maneira, a metafísica não é possível como ciência. Terá de ser enquadrada noutra dimensão que não seja a da razão pura especulativa: na razão pura prática. Ela será o fundamento da moral. Razão pura prática e razão pura especulativa/teórica são uma e mesma razão, porém, com uma dupla aplicação/dimensão. O que possuem em comum é o a priori.

O que as difere é a aplicação. Cada uma representa um modo pelo qual o conhecimento da razão se dirige ao objeto: i) para determiná-lo e conceituá-lo: conhecimento da razão especulativa; ii) para torná-lo real: conhecimento da razão prática. A razão especulativa diz o que é; determina a possibilidade do conhecimento; ocupa-se com o campo sensível/fenomênico. A razão prática diz o que deve ser; determina a priori a vontade do sujeito agente, por meio do imperativo categórico, para que seus atos tenham valor em si; ocupa-se com o campo supra-sensível/numênico, que não pode ser conhecido, apenas pensado. Juntas, compõem a Filosofia Transcendental. Conforme Luft, “se a Metafísica tradicional estava ancorada sobretudo em uma teoria do ser considerado como autônomo com relação ao sujeito cognoscente – uma Metafísica Realista, portanto -, a Nova Metafísica tem na subjetividade sua base última e no Idealismo a posição filosófica correspondente” (LUFT, 2001, p. 77).

A sua conclusão é de que a metafísica está inviabilizada como ciência. Ou seja, embora a metafísica efetue a revolução na maneira de pensar, proposta por Kant, tendo assegurado a possibilidade do conhecimento a priori, ela não poderá ultrapassar os limites da experiência sensível. Seus objetos residem acima da experiência sensível, isto é, fora do espaço e do tempo e, por esse motivo, não são possíveis de serem conhecidos – apenas pensados. Consequentemente, os juízos sintéticos a priori não são possíveis na metafísica. Logo, ela não é possível como ciência.



BORGES, Maria de Lourdes Alves. História e Metafísica em Hegel. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.

HARTNACK, Justus. La teoria del conocimiento de Kant. Madrid: Ediciones Cátedra, 1984.

HÖFFE, O. Immanuel Kant. Trad. Christian Viktor Hamm, Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

LUFT, Eduardo. As sementes da dúvida: investigação crítica dos fundamentos da filosofia hegeliana. São Paulo: Mandarim, 2001.

REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol. 5. São Paulo: Paulus, 2005.

WEBER, Thadeu. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.


Fonte: Link


*
*
(Anderson Kaspechacki)

domingo, 9 de junho de 2019

Leitura #9: O caminho

Arte: "The Secret of the Interior", de Mariusz Lewandowski.


Está bem, ouvinte. Prepara-te, pois terás que viajar sozinho. O instrutor pode apenas indicar o caminho. A senda é uma para todos; os meios para chegar à meta variam com os peregrinos — H. P. B

*
*
(Anderson Kaspechacki)

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Leitura #8: Simbologia Coruja




A coruja, símbolo de Atena (e também da sabedoria), com as asas abertas e prestes a iniciar seu voo, ou seja, usa o conhecimento como trampolim para ascender.


*
*
(Anderson Kaspechacki)

terça-feira, 4 de junho de 2019

Fichamento #3: Sócrates, O Mártir da Filosofia - GOTTLIEB, Anthony

FICHAMENTO DA OBRA:

GOTTLIEB, Anthony. Sócrates, O Mártir da Filosofia - trad. Irley Fernandes Franco - 1° reimpressão, São Paulo. Unesp, 1997

Destaque importante: urge salientar que o objetivo desta publicação busca reunir a opinião do autor e debruçar sobre sua obra. O intuito é sintetizá-la.

A vida de Sócrates transcorreu em tempos que foram os mais gloriosos, mas também os mais difíceis para a cidade que lhe serviu de berço: Atenas.


Sócrates nasceu no ano de 469 a.C., de origem humilde, seu pai era pedreiro e sua mãe parteira. Trajado qual um mendigo, quase sempre descalço rodeado de uma multidão de discípulos, encantados pelo seu profundo verbo. Ele foi considerado mártir e santo da filosofia, pois ninguém foi tão obcecado com o viver corretamente. Sócrates escolheu não tentar salvar a própria vida, quando provavelmente poderia ter feito, mudando suas atitudes. Mas a diferença de muitos santos, ele possuía um agudo senso de humor, algumas vezes se manifestava como sagacidade brincalhona, às vezes como fértil ironia. E diferentemente dos santos de toda e qualquer religião, sua fé consistia não em uma confiança na revelação ou em uma esperança cega, mas em uma devoção à razão argumentativa. Nada, além disso, seria capaz de movê-lo.

Apesar dele ser pobre, ele tinha acesso à alta sociedade ateniense atesta o quão extraordinária era sua conversação. Alcebíades contava que seu discurso era comparável a musica de Mársias, o deus do rio “que tinha apenas de colocar sua flauta nos lábios para enfeitiçar a humanidade”.

O Pai da filosofia, como é conhecido Sócrates, tem um tipo de método para principiantes, o característico de interrogação, ao invés de propor a tese ele mesmo, deixa que o outro faça e então retira dela suas conseqüências.

Sócrates era muito modesto, freqüentemente negava saber qualquer coisa que estivesse sendo discutido, essa assumida ignorância era sua marca registrada. Ainda que ele sempre afirmasse não ter nada para ensinar, suas atividades eram muito semelhantes às dos que ensinam. Isso foi bastante para obriga-lo a comparecer diante dos tribunais como um professor de influência maligna.

Seu julgamento ocorreu em 399 a.C., quando estava com aproximadamente setenta anos de idade. As acusações foram: a de que ele recusou a reconhecer os deuses oficiais do estado, a de que introduziu novos deuses e a de que corrompeu jovens. Havia um fundo político sólido para o julgamento, mas isso não significa que as acusações fossem uma farsa e que o julgamento tenha de fato sido político. Política, religião e educação estavam todas entrelaçadas no caso, e, independentemente de como este fosse visto, Sócrates estava dizendo as coisas erradas na hora errada.

Cinco anos antes de seu julgamento, havia terminado uma guerra entre Esparta e Atenas, que durara 27 anos, terminando Atenas derrotada. A democracia de Atenas tinha sido deposta e substituída por um grupo de homens, mais tarde conhecidos como os Trinta tiranos. Querendo fazer seus nomes eles assassinaram tantas pessoas que só permaneceram um ano no poder, embora a democracia não tivesse sido restaurada; e Sócrates era amigo de dois desse tiranos, Crítias líder dos tiranos e Cármides, dando assim razões suficientes para os democratas ficarem apreensivos com a presença de Sócrates na cidade.

O “daimonion” socrático entre as acusações contra Sócrates estava a de que ele estava introduzindo novos daimonions, novas entidades divinas. Sócrates diz: “A razão são aquelas acusações que muitas vezes e em diversas circunstâncias ouvistes dizer, ou seja, que em mim se verifica algo de divino ou demoníaco (…) uma voz que se faz ouvir dentro de mim desde que eu era menino e que, quando se faz ouvir, sempre me detém de fazer aquilo que é perigoso e que estou a ponto de fazer, mas que nunca me exortou a fazer nada”. Ou seja, o daimonion socrático era “uma voz” que lhe vetava determinadas coisas, o que o salvou várias vezes de perigos e experiências negativas. Ela não lhe revelava nada, apenas vetava algumas coisas que lhe eram perigosas. O daimonion socrático é algo muito específico que diz respeito muito particularmente à excepcional personalidade de Sócrates, colocando-se no mesmo plano de um tipo de mediunismo que se fazia presente em certos momentos de concentração muito intensa e em momentos de reflexão bastante próximos aos arrebatamentos de êxtase em que Sócrates mergulhava algumas vezes e que duravam longamente, coisa da qual tanto Platão quanto Xenofonte falam expressamente.

A maneira como Sócrates fazia as pessoas conhecerem-se a si mesmas também estava ligada à sua descoberta de que o homem, em sua essência, é a sua psyché. Em seu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar a pessoa da sua falsa ilusão do saber, fragilizando a sua vaidade e permitindo, assim, que a pessoa estivesse mais livre de falsas crenças e mais susceptível a extrair a verdade lógica que também estava dentro de si. Sendo filho de uma parteira, Sócrates costumava comparar a sua atividade com a de trazer ao mundo a verdade que há dentro de cada um. Ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro, de acordo com a consciência, e que não se pode obter espremendo-se os outros.

Até mesmo na atividade de aprender uma disciplina qualquer, o professor nada mais pode fazer que orientar e esclarecer dúvidas, como um lapidador tira o excesso de entulho do diamante, não fazendo o próprio diamante. O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais eficaz quanto maior for o interesse de aprender. Só o conhecimento que vem de dentro é capaz de revelar o verdadeiro discernimento. Em certo sentido, dizemos que quando uma pessoa “toma juízo”, ela simplesmente traz à consciência algo muito claro que já estava “dentro” de si. Assim, as finalidades do diálogo socrático são a catarse e a educação para o autoconhecimento. Dialogar com Sócrates era se submeter a uma “lavagem da alma” e a uma prestação de contas da própria vida. Como disse Platão: “quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em contato com ele, põe-se a raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado, é arrastado pelas espirais do diálogo e inevitavelmente é forçado a seguir adiante, até que, surpreendentemente, ver-se a prestar contas de si mesmo e do modo como vive, pensa e viveu”. Em seu método, ao iniciar uma conversa, Sócrates sempre adotava a posição de uma pessoa ignorante, que apenas “sabe que nada sabe”. E justamente por usar esta afirmativa, ele forçava as pessoas a usarem a razão. Ele entrava de tal forma na conversa, e de tal forma a dominava, que era capaz de aparentar uma maior ignorância ou de mostrar-se mais tolo do que realmente era. Seus discípulos mais fieis já sabiam que quando o opositor caia nesta jogada, logo levaria um tombo tremendo quando o quadro se invertesse. E esta era a principal técnica do método de Sócrates: usar a ironia. Foi assim que ele expôs muito das fraquezas do pensamento ateniense. Um encontro com Sócrates podia significar o risco de expor-se ao ridículo. Mas as pessoas que passaram por isto e conseguiram superar o choque do orgulho ferido, indo até o fim no processo catártico, acabavam por extrair de si mesmo a resposta em tudo lógica e compatível com os problemas expostos, dando-lhe a solução. O resultado é que o indivíduo sentia uma verdadeira sensação de iluminação, de descoberta, de der dado à luz algo de valioso que havia dentro de si, mas de que não tinha a mínima consciência. Foi assim que Sócrates conquistou fervorosos discípulos. Mas se a pessoa entregava-se ao orgulho ferido, tornava-se um inimigo feroz. E esta foi a razão que lhe custou a vida.

Todas as escolas filosóficas que floresceram a partir de Sócrates compartilharam com ele a ideia de que a sabedoria traz a virtude e a felicidade.

Ele deixou claro que, embora devamos desobedecer às leis se elas são injustas, devemos, não obstante, submeter-nos ao seu castigo quando pegos em desacordo com elas. E isso foi o que ele mesmo fez quando foi condenado. Amigos lhe deram a chance de escapar da prisão e fugir de Atenas da execução, ele rejeitou a oferta. Da mesma forma que sentia obrigação moral para com a autoridade legítima da cidade e para com devido procedimento de lei, assim também Sócrates amava Atenas e não saboreava a vida em nenhum outro lugar. Sócrates mostrava profundo respeito à constituição de Atenas.

Sócrates era, se alguma coisa, democrata demais para os atenienses. Foi esse aspecto de seu caráter e ensinamento que conduziu ao exagerado individualismo de alguns de seus imitadores. Sua atitude para com a religião e a moral pode ser vista como ultrademocrática. Nada deve descobrir por si mesmo o que é bom e correto, e à sua vida. O resultado dessas discussões entre cidadãos deveria idealmente ser uma sociedade justa com leis justas, a que se chegasse por intermédio desse auto-exame coletivo. No sonho socrático de democracia, a convicção individual conduziria ao acordo coletivo.

Ele não era um político. Ele achava que podia desempenhar seu papel apenas discutindo com os indivíduos, um a um, ou em pequenos grupos.

Através dos anos, os votos em favor de Sócrates acumularam-se firmemente à medida que os diálogos de Platão transmitiram seu debater, ou uma semelhança disso, para muito além da Atenas do século V e de seu banquetes. Há agora poucos que discordariam de uma coisa que Sócrates disse aos juízes: “Se me condenardes à morte, dificilmente encontrareis alguém que tome o meu lugar”.


Fonte: Link


*
*
(Anderson Kaspechacki)

sábado, 1 de junho de 2019

Leitura #7: 1º Revista de Direito Civil - FADIPA

É com grande orgulho que comunico a ilustríssima revista de Direito Civil. 

Aos que a realizaram, meu fraterno abraço, desde que me abstive da Faculdade, jamais me esqueci destes mestres! Foram exímios professores, que mesmo com os seus contratempos, fizeram grandes contribuições. Mais uma vez, um abraço!

É cristalina a existência de renomados professores que contribuíram para a presente obra, e indubitavelmente, far-se-á digna de leitura obrigatória aos acadêmicos!

Prof. Me. João Vasconcelos
Diretor Acadêmico


Prof. Dr. Cláudio Antônio Soares Levada
Coordenador do Curso de Direito


Prof. Me. Elvis Brassaroto Aleixo
Coordenador-adjunto do Curso de Direito


Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova
Coordenador da Revista de Direito Civil


1º Revista de Direito Civil


Apresentação

A título de Introdução: Direito Civil e Constituição
Pietro Nardella Dellova

O Universalismo do Direito Romano e a Unificação do Direito das Obrigações
Myriam Benarrós e Beatriz Batista Garcia

Breves Apontamentos sobre os Elementos da Responsabilidade Civil
Camila Fernanda Pinsinato Colucci

Dano Moral Coletivo
Cláudio Antônio Soares Levada

Preconceito e Dano Moral. Ser chamado de Homossexual não Configura Injúria, Difamação e/ou Dano Moral
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo
Regiane Scoco Laurádio

O Direito à Memória Ancestral: Notas Preliminares sobre a Proposta de Tutela de um Novo Direito Relacionado à Constelação Familiar e a Responsabilidade Decorrente de sua Violação
Ivan de Oliveira Durães

Descoberta: uma visão geral do instituto
Antonio Carlos Morato

Incorporação Imobiliária: Aspectos Jurídicos Gerais
Renato Souza Dellova

Sucessão do Cônjuge e do Convivente
Mauro Alves de Araujo

Elementos para uma Teoria Crítica e Constitucional aplicada ao Direito Civil 
Pietro Nardella-Dellova


E orientandos: Debora Sannomia Ito, Amanda Marcatti, Felipe Gomes da Silva, Lucas Corrêa, Márcia S. Fernandes, Larissa Torhacs, Claudia Maia, Natalia Cezario Carvalho, Priscila Barros, Rodolfo Garcia Teixeira, Bruno Costa, Rodnei Caio Baptista, Guilherme Spezi, Henrique Vicente Ferreira Marinelli, Vinicius Gabriel de Camargo, Camila Cerqueira, Amalu Guimarães, Giovana de Castro B. da Silva, Fernanda Lopes, Jackeline Brito Carneiro, Alexandre Tacla Martins, João Francisco do Prado Marçura, Camila Ramos de Camargo e Giovanna S. de Moraes





(Anderson Kaspechacki)